Ao ver umas belíssimas fotografias de Eduardo Gageiro, a de Jaime Cortesão despertou em mim recordações dos meus tempos de tropa.
Em 1974, quando eclodiu a Revolução de Abril, estava no Quartel de Paço D’Arcos, eu e um grupo de “revolucionários” assumimos a feitura do Jornal de Parede, que até à altura era o jornal do regime. Lembro-me perfeitamente que uma das primeiras colagens que lá foi posta foi este poema de Jaime Cortesão – “Romance do Homem da Boca Fechada” , Este poema circulou clandestinamente nos anos trinta.
A fotografia como disse é de Eduardo Gageiro tirada em 1962.
- Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
– Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.
Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.
Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia…
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.
Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
- Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
- Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
- Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
- Mais vale morrer com honra,
Do que vida desonrada!
- A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
- Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!
Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
- Antes que fale emudeça! -
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.
A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!
Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!
Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.
1 comentário:
foi a homenagem de Jaime Cortezão a um homem que cortou a língua, para não denunciar nenhum companheiro de luta...
falo de Jaime Rebelo, setubalense com ligações a Almada, onde viveu, tal como o seu filho Emilio Zola, e onde ainda vivem os seus netos.
após a Revolução de Abril ajudou a criar o Centro de Cultura Libertária, em Cacilhas, com outros anarquistas como o Correia Pires, que também residia em Almada.
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