sábado, 10 de abril de 2004


CALDAS DA RAINHA
A HISTÓRIA QUE SE CONTA...

A história que se conta é esta: A Rainha D. Leonor, mulher de El-Rei D. João II, viajava da vila de Óbidos para a da Batalha quando viu, no meio dos campos, um grupo de gente humilde que se banhava em água enlameada e quente. Mandou parar o séquito e quis saber o que significava aquilo. Eram tratamentos, disseram-lhe. Aquelas águas eram prodigiosas: acalmavam dores, saravam feridas, contavam-se até os casos de paralíticos que voltavam a andar como que por milagre. A Rainha, que então padecia de uma úlcera no peito que não havia maneira de fechar, quis fazer a experiência e viu que tudo o que lhe tinham dito era verdade: viu-se curada em poucos dias. O episódio deve ter algum fundamento de verdade, pois todos o contam da mesma forma. Nas datas é que há oscilação: para uns 1485, para outros 1487. A divergência não altera a história. D. Leonor mandou logo levantar ali um grande padrão de alvenaria, provavelmente para lhe não esquecer o lugar. Diz o inevitável Pinho Leal que ainda viu restos desse primeiro e tosco monumento. Logo no ano seguinte iniciou a construção de um hospital para que todos ali se pudessem tratar com algum conforto. A capela do estabelecimento foi consagrada a Nossa Senhora do Pópulo, curiosa invocação que permite mais de uma interpretação; Pópulo significa povo, e era ao povo que a Rainha destinava o hospital. Também é certo, porém, que Santa Maria do Pópulo era a invocação de uma igreja romana muito da predilecção do cardeal de Alpedrinha, D. Jorge da Costa, que nela mandou construir o seu túmulo. D. Jorge devia a sua formação aos frades Loios, e protegeu-os muito. Ora, a Rainha D. Leonor manteve sempre relações muito cordiais com o cardeal, e entregou a administração do hospital das Caldas precisamente aos Loios.
A povoação nasceu em torno do hospital. A terra ali não é fértil (são areias de um solo só ganho ao mar mas em eras geológicas quase nossas contemporâneas) mas o clima é de uma grande doçura, sem neves nem calmas excessivas, e, sobretudo, havia fartura de tudo: de legumes nas pequenas aldeias e pequenos lugares das antigas granjas de Alcobaça, peixe fresco trazido todos os dias pelos pescadores da Nazaré e Peniche, galinhas, ovos e todos os mimos inventados pelos agricultores de um amplo aro de aldeias. Em todo o caso, durante os séculos XVI e XVII, a vila era Óbidos. Nas Caldas existia apenas um arrabalde feliz.
A mudança vai começar com D. João V. Tinha os ossos enferrujados e, com os anos, estava quase hemiplégico. Os médicos recomendaram-lhe os banhos das Caldas e, segundo os memorialistas locais, o Rei foi lá durante treze anos seguidos. Inicialmente instalava-se em Óbidos e descia depois, de carruagem, até ao local dos banhos. Acabou por concluir que era mais confortável ter casa nas Caldas, e mandou ali construir um pequeno palácio, que ainda hoje está de pé. Toda a corte o acompanhou nessa decisão, e o pequeno lugar ganhou foros de vila importante.
É ainda D. João V quem manda construir a Casa da Câmara e o Chafariz das Cinco Bicas, que assinalava o lugar onde a Rainha D. Leonor vira os pobres banhar-se. O chafariz ainda hoje existe, mas já não marca coisa nenhuma porque o mudaram de sítio.
Adaptado de um texto de José Hermano Saraiva